Friday, September 28, 2007

Avante, guerreiras da bola!!!



Há trinta anos, quando Pelé aceitou jogar futebol nos Estados Unidos pelo extinto New York Cosmos, a empreitada tinha como objetivo popularizar este esporte por lá. Não deu certo. Pelo menos não para os homens. Às mulheres, foi sucesso total. Do fim da década "disco" até hoje, nosso "soccer" virou a opção esportiva "light" popular do "sexo frágil" em solo yankee. Se na America Latina e boa parte da Europa, futebol foi esporte bruto "para macho" até pouco tempo, nos lados do Tio sam era "jogo de mulherzinha". "Homem que era homem praticava baseball, futebol americano, hóquei ou basquete."

Tal popularidade precoce tornou os Estados Unidos uma espécie de potência mundial precursora. Se, com os marmanjos, passaram quarenta anos sem ir a uma copa, com as moçoilas fulguraram sempre entre os três primeiros, ostentando dois títulos em quatro edições disputadas. Nomes como Michelle Akers, Mia Hamm e Shannon McMillan logo alçariam condição de referência global.





Abaixo do equador, o clima era outro. Mulheres jogando bola tachadas de lésbicas ou coisa pior. Falta de incentivo à formação e profissionalização de atletas tornaram a América do Sul terceiro mundo no futebol de saias, e a coisa pouco mudou desde então, exceto por um detalhe.

Um detalhe chamado seleção brasileira.


Ocorreu devagar. Lampejos de uma geração prodigiosa e guerreira que, desde sempre, lutou contra tudo e contra todos para não perecer. Marta, Formiga, Pretinha... surgiram como curiosidades, ganharam simpatia pública e viraram ícones de garra e perseverança, heroínas nacionais. No começo, tiravam onda nos trópicos com homéricas goleadas, mas caíam ante as "gigantes" chinesas, norueguesas e americanas. Para cada mundial perdido, um choro por apoio e meses de esquecimento até o próximo compromisso importante. Promessas não cumpridas, mal-entendidos, crocodilagens e a eterna superação de um time que de zebra virou "pedreira" e agora quer ser grande. Mereceu ganhar ouro em atenas, faturou dois panamericanos e por fim, enfim, desbancou o antigo carrasco, candidato a freguês. Nosso Brasil também quer ser potência entre as meninas, e pode, se nós aqui deixarmos.





Torcerei por elas na decisão, claro, e ainda mais depois. Torcerei para não serem esquecidas. Para que a TV, empresas, federações, e nós, o público "pagante", não as deixemos de lado, ou viverão sempre comendo migalhas dos rapazes, apesar do esforço e glória alcançados.

Nos "states", o fenômeno é inverso. A velha zebra yankee da seleção masculina, ressurgida às copas de 90 para cá, mostra sinais evolutivos claros. Fez bonito em 2002, deu azar em 2006 com uma chave difícil e hoje consegue encarar o Brasil de Kaká e Ronaldinho quase de igual para igual. Não duvido que em alguns anos, os homens, e não as mulheres, sejam o sexo forte no futebol de lá. A pergunta é: Isso bastaria para popularizar o "soccer for men"? E aqui? Algo inverso ocorreria com um título feminino em copa do mundo?


Bom... Vamos aguardar.




texto também publicado no blog Fanáticos por Copa e no site Domínio Cultural



Saturday, September 22, 2007

Quem, afinal, é o alemãozinho doido????

Se você é macaco velho de youtube, já deve ter topado com um certo alemão paranóico que perde as estribeiras diante do computador e faz miséria com o teclado.

Esse aí de baixo. Lembra?



Pois é. O molequinho virou celebridade mundial e seu vídeo gerou trocentas versões e traduções alternativas com ele jogando
Mario Bros, Counter-Strike, ou usando seu teclado assassino para aniquilar um cantor árabe. Tais imagens geram gargalhadas mas também chocam, e não são poucos os que deixam mensagens atônitas, embasbacadas, depreciativas ou jocosas para algo que crêem ser verdadeiro. Teria o horror dos pais de família se sublimado num super-mega-hiper-doente viciado em Unreal Tournament?


Não, queridos! É até possível que existam moleques assim por aí e eu tampouco duvido que esse rapaz do video seja um carinha meio estranho, mas ele não está tendo um ataque real. O garoto é conhecido na rede, pelo menos em solo alemão, como "Slikk" ou "Der Echte Gangster" (O verdadeiro gangster). Seu famigerado vídeo tem fins políticos e foi elaborado como resposta a uma onda ideológica deflagrada por congressistas, intelectuais e educadores na Alemanha querendo banir os jogos sanguinolentos da molecada por vê-los como causa da violência juvenil que assola a nação.





Der Echte Gangster, discordante destes demagogos, resolveu ironizar sua argumentação interpretando um superlativo de seus temores e a performance teve efeito duplamente devastador. O espanto que se seguiu só valeu para fragilizar a opinião da crítica, expondo sua carência de sensatez por não perceber o engodo. The angry German kid não é o único video deste ativista disponível no youtube. Há uma série de outros, todos em alemão e sem legendas, onde mais mensagens políticas e sacanas talvez estejam sendo deflagradas (Vou saber?). "Slikk" também integra programas de rádio, shows de cabaré e tem fãs por todo o país.
Mais atuações do alemãozinho doido você encontra
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e em outros endereços pela net e no youtube.

Ah! E se alguém quiser ver o moleque estourando o teclado enquanto torce para o São Paulo ou se empololga com o Rei Leônidas de "300", basta teclar
aqui e aqui.


Até Breve!




Tuesday, September 18, 2007

Cenas que você perdeu - Kill Bill (vol 2)

Aviso: Este texto pode conter SPOILERS

Quem viu atentamente o trailer de Kill Bill - Volume 2 deve recordar um trecho em que Bill (David Carradine) atira algo perfurante na testa de um inimigo e posa com sua espada vestido em trajes orientais. A cena faz parte do que seria o único aparecimento significativo do vilão em combate, já que sua luta final com a noiva mal teve tempo de se desenvolver. Como sabemos, o trecho não aparece no filme, e toda a seqüência de três minutos e meio que o envolvia também ficou de fora.

Não sei exatamente em que ponto do longa ela se situaria. Talvez no começo do capítulo VIII, antes de Bill apresentar Black Mamba ao Pai Mei. A cena em questão sucede num bairro pobre da China e conta também com a participação do ator
Michael jay White, que já interpretou Spawn e Mike Tyson, liderando uma gangue e jurando Bill de morte. Este até então passeava tranqüilamente com sua namorada Beatrix (ainda uma novata) quando é surpreendido pelo grupo assassino.


Confira, caso não tenha visto:



Trata-se também de uma pequena homenagem ao cinema chinês de ação "anos setenta" que lançou Bruce Lee e Carradine ao estrelato. Cortes e closes bruscos, mudanças súbitas no "clima" da cena acompanhadas por pequenos "jingles" de alerta, interpretação meio "forçada" dos atores, caricatural, no inglês mal dublado típico das versões "export" (enunciado então pelo personagem de White - ali representante-mor do gênero homenageado), evidenciam este intento do diretor.


Carradine, claro, mantém o tom suave de seu personagem, gerando um contraste interessante entre os dois.



Thursday, September 13, 2007

A "Escola Urbana" de literatura



The Great Scott Journal é um blog antigo. Sua última atualização é de abril de 2006. Descobri-o acidentalmente, graças a um texto postado em outro blog, com os devidos créditos concedidos. Desde então, passei sempre por lá, até o dia em que precisei trocar de Computador e não consegui achar mais o link. Procurei até no google (não sei se me lembrava do "journal"). Deixei de lado e segui em frente. Anteontem, remexendo velhos baús entre back-ups esquecidos, eis que encontro um notepad com o endereço do sítio. Acessei-o, deixei comentários e só mais tarde percebi que estava abandonado há mais de um ano.

Bom... Quem sabe volte? "Notícias do front III" é exemplo de que vulcões inativos podem jorrar lava novamente.

Mas, voltando ao Great Scott, fucei-lhe os últimos posts e me deparei com algo deveras interessante.

Segue então a postagem original, feita em 6 de março de 2005 (apenas três se seguiriam até o fim do blog).








Por Great Scott

Tenho reparado que existe um padrão que une a produção literária/quadrinística** de muitos aspirantes a autor que eu conheço - bem como as obras que estes consomem: Histórias que, segundo os próprios, são melhores por se dedicarem a falar do "cotidiano", da "vida real", "do mundo como ele é". Esses princípios acabam, muitas e muitas vezes, em obras simplesmente banais, cheias de personagens amorais levando vidas apáticas e seguindo a filosofia do "tu fez comigo, agora vou fazer com você, CARALHO".

(Ênfase no "CARALHO", já que tem que ter palavrão para ser moderninho, ou, como diriam alguns, "para ficar mais Tarantino" (mas aí não sobra esperança nenhuma)).

Pois bem. Já falei disso aqui uma vez ou outra, e não vou falar de novo. Quem vai falar é outra pessoa: Na seguinte coluna, Alexandre Cruz Almeida (hoje Alex Castro) revela-se observador desse mesmo padrão, dessa mesma linha de mediocridade, que batizou de
Escola Urbana em um artigo que observa o fenômeno bem melhor do que eu poderia. Leiam!




Como cheguei nisso?

Estava eu saltando de canal em canal quando vejo uma garota visualmente chamativa no programa da Marília Gabriela. Era uma tal
Clarah Averbuck. Ela começou a falar, descobri que era escritora. Descobri que tinha escrito um livro chamado "Máquina de Pinball". Não entendi o que diabos era isso pela entrevista, mudei de canal e esqueci o assunto.

Passando pela net, mais tarde, encontro o nome dela de novo. Entro no site e me deparo com um Layout moderninho, foto produzida da autora, meia duzia de links para textos. Li alguns... e decidi pesquisar para descobrir de onde diabos saiu tanto lixo radioativo!

A mulher publica, basicamente, seu blog. Fala sobre coisas que aconteceram com ela. E a vida dela é perfeitamente banal, e o que ela faz dessa vida nos textos, também. Como um blog! É um reality show em formato livro.

Ela coloca no site, como peça literária, um post de blog sobre como tal fulano ejaculou na boca dela e como o esperma dele era doce; E como os homens são clichês ambulantes, já que depois o cara acendeu um cigarro. Eh?!

Incrivelmente ruim. E descobrir que ela faz parte de uma "escola" informal é mais ruim ainda.
AINDA BEM que eu estava por fora disso.


"Realidade" é algo subjetivo, pessoal. E o SEU mundinho NÃO É a realidade, MESMO QUE o seu mundinho seja um "mundo cão" digno de realização dentro do sistema do lado B do cinema brasileiro. Se você está numa zona de guerra e escreve um livro falando sobre o cotidiano incomum da situação em que você se encontra, PODE SER que disso resulte num bom livro -- se você souber escrever, tiver pontos de vista e uma visão crítica interessante da situação, se você tiver capacidade de transpor para a página a realidade do mundo incomum que se observa. MAS, se você é MAIS UMA patricinha metida a "indie" querendo escrever um livro sobre suas baladas e bebedeiras...

Em outras palavras, se você for ruim, vai acabar falando sobre o seu mundinho -- o seu umbigo. Se você for bom e consciente vai partir do seu mundinho para falar sobre o mundão - sobre a condição humana como observada por VOCÊ, AGORA, AQUI DO SEU PEDAÇO. Essa é a diferença, na minha opinião. Novamente em outras palavras: O seu mundinho pode até ser a *realidade*, mas o que a arte deve buscar não é a realidade, e sim a VERDADE. A verdade humana. A sua verdade.**** Eu realmente acredito nisso.

"Sou mulherzinha, uso salto agulha, pinto as unhas(...). Sou mulherzinha, mas tenho bolas", diz Averbuck em algum lugar. Ou seja - "I've got balls", expressão norte-americana, quase nunca utilizada de forma expontânea em português. Dá para se enxergar bem o naipe "rebelde" da moça, não dá?

Ridículo. E aí está uma boa motivação para escrever: Escrever para tentar fazer algo decente, algo que não siga essa escola da mediocridade fashion pseudo punk das Clarah Averbucks e Fernanda Youngs da vida.

Triste.



** Sim, Quadrinhos também são literatura. Só estou dividindo "livros comuns" e "HQs". Ei, é sempre
bom deixar claro!


**** Batendo na velha tecla para quem chegou atrasado: Sim, Verdade Humana se encontra tanto em textos realistas quanto em textos fantásticos, mitológicos ou de ficção científica. Porque toda fantasia, mito ou especulação sobre o futuro saiu de uma mente humana, que por sua vez é fruto do mundo que a cerca e dos problemas e elementos diversos que compõem sua realidade. Óbvio? Para a maioria das pessoas, não é não!

Muitas e muitas vezes percorre-se um caminho parecido com isso:CRIANÇAS rejeitam tudo que não é fantástico; ADOLESCENTES rejeitam tudo que não é "real"; ADULTOS deixam essa visão limitada de extremos para trás e aprendem a apreciar o espectro completo da ARTE.





Voltando à nossa narração normal, enfatizo a relevância deste link para uma melhor compreensão do texto exposto. Neste outro link, Alex Castro tece comentários sobre Clarah Averbuck. Alex Castro é escritor e atualmente redige o blog Liberal Libertário Libertino.


Até breve


Tuesday, September 11, 2007

Boondocks sim, mas em espanhol???



Meu horário preferido do canal Sony é o de terça a noite, com as produções politicamente incorretas, onde rola até palavrão.

Dos cinco seriados exibidos na seção, apenas dois realmente me agradam. Um é
The IT Crowd, do qual pretendo falar mais neste blog. O outro é The Boondocks, uma série animada (a única da emissora) derivada de uma tirinha de HQ.

The Boondocks se passa num subúrbio classe média de Chicago onde dois garotos negros de personalidades diferentes passam a morar com o avô e precisam se adaptar às regras locais.

Desta relação entre protagonistas e demais personagens, os autores fazem paralelos com a sociedade americana, tocando em temas delicados, muitos deles relacionados à comunidade "afro-americana", sua interação consigo e com o resto do país.

The Boondocks é polêmico, provocativo, mas muito inteligente, reflexivo e engraçado. Segue uma linha mais ácida que a dos Simpsons, mas que não renega uma certa positividade, uma certa esperança por trás de todo o sarcasmo, ironia e iconoclastia inerente às situações.

Seus dois protagonistas mirins são quase que lados opostos de um mesmo sujeito social. Huey Freeman, que também narra os episódios, faz um estilo Lisa Simpson politicamente engajado, militante, inteligente e muitas vezes sozinho ante a insensatez de quem o cerca. Seu irmão mais novo Riley também é inteligente, mas muito sunceptivel aos modismos da midia e dos colegas. Ele representa a juventude negra que se perde nos cânones da mídia estereotipante.




Bom... gostaria até de ir mais fundo em minha análise sobre o "cartoon". Talvez faça isso em outro post. Hoje prefiro externar minha revolta com o canal Sony, que, por algum motivo estupidamente incompreensível, resolveu exibir Boondocks dublado em espanhol. No ínício, achei que alguém havia se enganado nos aparelhos e colocado a cópia errada para rodar, afinal, um comercial de minutos antes exibira cenas do mesmo episódio dubladas em português (como comumente ocorre ). Hoje, duas semanas depois, ligo a TV de novo e lá está um novo episódio em espanhol. O que foi? O cara se enganou de novo? A sony brigou com os dubladores brasileiros? Alguém lá dentro acha que Brasil, Argentina, México e Porto Rico é tudo a mesma bosta, que todo latino fala espanhol, e que se não fala, vai passar a falar?

Bom... amanhã estarei mandando um e-mail revoltado para eles


Se você ainda não conhece o desenho e está curioso, ele passa no Canal Sony Entertainment às terças-feiras às 21:30 e quartas às 1:30 da madruga.

Abaixo, um episódio completo do seriado em inglês. A qualidade da imagem é boa.



Até breve!!!




Monday, September 03, 2007

Resenha - Tropa de Elite - 2007



Não dá mais para segurar a avalanche. O filme Tropa de Elite, longa brasileiro dirigido pelo cineasta José Padilha com o apoio de ex integrantes da polícia, que tem como base um livro "quase" homônimo, escrito à três mãos, incluindo a do renomado antropólogo Luis Eduardo Soares, já se espalhou pelo Rio de Janeiro e território nacional antes mesmo de aparecer na telona. A produção deveria estrear em novembro, mas uma versão inacabada dela caiu em mãos erradas e virou cópia pirata, circulando aos milhares pelo mercado informal, depois internet, youtube, e, segundo uma certa fonte, quarteis da Polícia Militar. Atores até então desconhecidos, como o ex-bilheteiro André Ramiro, já são abordados na rua como celebridades.






Tropa de Elite pode ser nosso próximo "Cidade de Deus" em termos de repercussão nacional e internacional, pois ostenta bons ingredientes comerciais, é excepcional pelo ponto de vista técnico, possui um enredo impecável que esmiuça com ousadia, mas também um certo senso de justiça, o universo corrupto e desamparado da polícia militar carioca, onde um oficial precisa se virar ganhando "quinhentos contos por mês", correndo risco diário de vida, caso não fature "um por fora" ou não faça acordos com os donos do morro oferecendo tréguas esporádicas em troca do "arrego". O filme traça um perfil complexo e profundo do Rio de Janeiro, começando pelas relações internas dentro da polícia, que precisa achar um "jeitinho" de funcionar ante o descaso constante do governo e a sordidez de determinados elementos de alta patente dispostos a contaminar todo um sistema supostamente destinado à proteção do cidadão, transformando-o numa rede fraudulenta e corrupta onde o policial mais honesto e bem intencionado precisa passar por cima da lei para não sucumbir. Um desses policiais é André Matias, aspirante ao oficialato e estudante de direito. Através dele, o autor estabelece elos entre a guerra do tráfico e o mundo acadêmico da elite juvenil que discute sociologia carioca a partir de Foucault e não dispensa seu baseadinho enquanto o couro come lá fora; que recorre a ONGs para concretizar projetos de consciencia social, mas nem sempre se apercebe das reais questões inerentes ao submundo que ingenuamente almeja entender e influenciar, e que está inevitavelmente além (ou aquém) de suas realidades.



Tropa de elite não é um filme de mocinhos e bandidos; não busca apontar "certos" e "errados" na índole individual dos personagens mais do que ater-se às questões e poderes envolvidos no jogo de cartas marcadas que é a vida carioca. Quase todos os personagens, do mais honesto ao mais cruel, corrupto ou tolo, define-se como um elo, uma peça que muda constantemente de posição e, conseqüentemente, de papel e índole. Cada policial, cidadão ou bandido é um ser humano com uma história de vida particular.

Além disso, mesmo percorrendo o âmago da sordidez humana em busca de seus "porquês", o roteiro consegue fugir das típicas insinuações fatalistas de filmes semelhantes, quando, subconscientemente, envolve o espectador na guerra do tráfico, afirmando nas entrelinhas, e às vezes nas linhas mesmo, que somos todos parte dela, queiramos ou não. Ou nos omitimos, ou nos corrompemos ou entramos para a "guerra".



Uma das chaves para este anti-fatalismo é a perspectiva pela qual o Rio nos é esmiuçado. Quem conta a história é Nascimento, capitão da tropa alfa do comando de operações especiais da polícia militar, o bope, considerado por alguns o mais treinado esquadrão de combate urbano existente. Nascimento é inspirado numa figura real, o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, co-autor do livro Elite da Tropa e do roteiro do longa. Como Pimentel ou qualquer policial de carreira, Nascimento foi podado, esfolado e forjado nos confins do inferno, porém, diferentemente de tantos, tornou-se mais samurai do que demônio ou ovelha. Compreende que o Rio não é uma cidade de santos, mas se recusa a abandonar um certo senso de integridade que o ajuda a conviver com o caos. Ele e sua equipe são brutais, eficientes, implacáveis e assustadores como manda a função, mas virtuosos na medida do possível e orgulhosos do papel que exercem.



Numa era em que o cinema ocupa lugar de referência mítica do corpo social, Tropa de Elite consegue ser simultaneamente crítico e inspirador, analítico e ideológico, político e científico, realisticamente cínico, brutal, mas essencialmente otimista e engajado sem ufanismos. Seus personagens principais e coadjuvantes têm vida, falam por si enquanto o filme exerce opinião própria pelos protagonistas. Em suma, pontos de vista hegemônicos circulam entre diferentes "realidades individuais" que são expostas de modo elaborado o bastante para que possamos discordar constantemente de quem conta a estória, afinal, o próprio capitão Nascimento sofre pelos menos motivos.


Wagner Moura interpreta o capitão da tropa alfa.

Não posso também deixar de mencionar o ineditismo de um filme artisticamente relevante contado pela ótica militar, policial, um autêntico marco em nosso cinema, que aos poucos abandona a antiga postura revanchista pós-ditadura e também aquela velha ótica do oprimido intrinsecamente bom. Pré-determinar se os maconheiros de faculdade estão certos ou errados ao enrolar seu baseado é menos vital do que produzir referenciais múltiplos acerca da questão, mesmo no terreno da "alta-cultura", ainda dominado pela perspectiva "liberacionista" dos intelectuais. É bom saber que alguns deles estão arregaçando mangas, misturando-se com o cidadão comum e a realidade de "quem têm o pé no chão", passando-lhes o microfone e a palavra. Nosso Brasil ainda tem muito a ouvir do Brasil e o cinema pode ser um excelente canal.


Curiosidade:



Tal qual "capitão" Nascimento, o personagem André Matias é também inspirado num agente do Bope. André Baptista é o terceiro autor de Elite da Tropa e, como Pimentel, participou do documentario Ônibus 174, também dirigido por José padilha, concedendo declarações sobre o incidente retratado. Na ocasião, era ele quem chefiava o cerco policial e as negociações com Sandro Barbosa enquanto este ameaçava reféns dentro do ônibus. Se de 2002 (ano do documentário) para cá Bapstita podia ser visto com certa antipatia pelo trágico desfecho da operação ou pelo modo inclemente como se referia ao sequestrador, sua imagem pública tenderá a mudar após "Tropa de Elite".

De um jeito ou de outro, pretendo ir ao cinema assistir à versão final e incentivo quem já viu o filme a fazer o mesmo por vários motivos. Entre eles, o fato da versão corrente sequer estar finalizada; há falhas óbvias de acabamento em alguns cortes. É provável que vejamos cenas inéditas e até um desfecho diferente na versão final. Além disso, Padilha e os demais envolvidos merecem reconhecimento pelo grande trabalho que fizeram.




Neste trecho de 10 minutos do filme Ônibus 174, pode-se ver André Baptista e Rodrigo Pimentel concedendo depoimentos


Mais curiosidades:

O ator André Ramiro (que interpreta Matias) já foi escalado para um longa ficcional de Bruno Barreto sobre o incidente do 174, que retrata o mesmo tema documentado por Padilha em 2002. Ramiro fará o próprio André Baptista, embora no filme ele deva se chamar Souza. Baptista coordenou pessoalmente o trabalho do ator.



André Ramiro reconstitui as negociações entre Baptista e Sandro Barbosa no novo filme de Barreto.

Para quem leu este texto inteiro e ainda não viu o filme, não se preocupe. Pouco revelei sobre o enredo e as surpresas reservadas por Padilha nessa versão inacabada, e, não, não comprei cópia pirata do filme. Qualquer um pode assistir Tropa de Elite na íntegra pelo
youtube ou baixando na grande rede.


Links para o orkut dos atores do filme André Ramiro, Paulo Vilela, Fabio Lago e Rafael Teixeira.




texto tembém publicado nos sites Recanto das Letras e Domínio Cultural.