Tuesday, January 13, 2009

Manuel, importante e necessário


O texto principal desse post não foi escrito por mim, mas por Paulo Coelho. Sim, o "marketeiro" Paulo Coelho que só escreve para iletrados, que explora a sede de sentido e misticismo dos ignorantes, que jamais deveria ingressar na Academia Brasileira de Letras, que não tem profundidade, que é a vergonha da literatura nacional e mais mil definições elogiosas de quem nem sempre se dá ao trabalho de conceder atenção ao que o cara escreveu antes de emitir opiniões.

Nenhum escritor está acima da crítica, e o sucesso, naturalmente, deixa qualquer um mais exposto. Não sou um grande fã de Paulo Coelho, mas enxergo em muitos dos seus escritos uma busca genuína e pertinente pela essência do ser, o que me basta para considerá-lo digno de apreciação e do sucesso que tem. Opinião, claro. Cada um tem uma. O texto a seguir é dele, e, a mim, está longe de ser mera auto-ajuda de quinta, como uns gostam de pensar. Simplicidade e qualidade nunca foram antônimos.

Sem delongas, segue o texto. Leia e faça sua avaliação.



Manuel, importante e necessário




MANUEL PRECISA ESTAR OCUPADO. Caso contrário, acha que sua vida não tem sentido, está perdendo seu tempo, a sociedade não precisa dele, ninguém o ama, ninguém o quer. Portanto, assim que acorda, tem uma série de tarefas: assistir ao noticiário na televisão (pode ter acontecido alguma coisa durante a noite), ler o jornal (pode ter acontecido alguma coisa durante o dia de ontem), pedir à mulher que não deixe as crianças se atrasarem para a escola, pegar um carro, um táxi, um ônibus, um metrô. Mas sempre concentrado, olhando o vazio, olhando o relógio, se possível dando algumas ligações de seu celular — e fazendo questão que todos vejam que é um homem importante, útil para o mundo.

Manuel chega ao trabalho, debruça-se sobre a papelada que o espera. Se for um funcionário, faz o possível para que o chefe veja que chegou na hora. Se for patrão, coloca todos para trabalhar imediatamente; caso não existam tarefas importantes, Manuel irá desenvolvê-las, criá-las, implementar um novo plano, estabelecer novas linhas de ação.

Manuel vai almoçar — mas jamais sozinho. Se for patrão, senta-se com os amigos, discute novas estratégias, fala mal dos concorrentes, sempre tem uma carta escondida na manga. Queixa-se (com um certo orgulho) da sobrecarga de trabalho. Se Manuel for funcionário, também senta-se com os amigos, queixa-se do chefe, diz que está fazendo muita hora extra, afirma com desespero (e com muito orgulho) que várias coisas na empresa dependem dele.

Manuel — patrão ou empregado — trabalha a tarde inteira. De vez em quando olha o relógio, está chegando a hora de voltar para casa, mas falta resolver um detalhe aqui, assinar um documento ali. É um homem honesto, quer fazer jus ao seu salário, às expectativas dos outros, aos sonhos de seus pais, que tanto se esforçaram para lhe dar a educação necessária. Finalmente volta para casa. Toma banho, coloca uma roupa mais confortável, vai jantar com a família. Pergunta pelos deveres dos filhos, pelas atividades da mulher. De vez em quando fala do seu trabalho, apenas para servir de exemplo — porque não costuma trazer preocupações para casa. O jantar termina, os filhos — que não estão nem aí para exemplos, deveres ou coisas similares — saem logo da mesa e vão para a frente do computador. Manuel, por sua vez, vai também se sentar diante daquele velho aparelho de sua infância, chamado televisão. De novo vê os noticiários (pode ter acontecido alguma coisa de tarde).



Vai se deitar sempre com um livro técnico na mesa de cabeceira — sendo patrão ou empregado sabe que a concorrência é grande, e, quem não se atualiza, corre o risco de perder o emprego e ter que enfrentar a pior das maldições: ficar desocupado.

Conversa alguma coisa com sua mulher — afinal, é um homem gentil, trabalhador, amoroso, que cuida de sua família e está pronto para defendê-la em qualquer circunstância. O sono vem logo, Manuel dorme, sabendo que no dia seguinte estará muito ocupado, e é preciso recuperar as energias. Naquela noite, Manuel tem um sonho. Um anjo lhe pergunta: “Por que você faz isso?” Ele responde que é um homem responsável.

O anjo continua: “Você seria capaz de, pelo menos durante 15 minutos do seu dia, parar um pouco, olhar o mundo, olhar para você mesmo, e simplesmente não fazer nada?” Manuel diz que adoraria, mas não tem tempo para isso. “Você está me enganando”, diz o anjo. “Todo mundo tem tempo para isso, o que falta é coragem. Trabalhar é uma bênção quando isso nos ajuda a pensar no que estamos fazendo. Mas torna-se uma maldição quando sua única utilidade é evitar que pensemos no sentido de nossa vida.”

Manuel acorda no meio da noite, suando frio. Coragem? Como é que um homem que se sacrifica pelos seus não tem coragem de parar 15 minutos? É melhor dormir de novo, tudo não passa de um sonho, estas perguntas não levam a nada, e amanhã vai estar muito, muito ocupado.


Saturday, January 03, 2009

Patos pós-modernos



Assisti ontem ao filme Borat, com o audaciosíssimo Sasha Baron Cohen. O projeto funciona como um experimento e, segundo os envolvidos, muitas mudanças nos rumos do roteiro precisaram ser feitas, uma vez que ele foi posto em prática. Sasha já era conhecido na Inglaterra por personagens como Ali G – uma sátira à moda Gangsta Rap e aos wannabes do gênero e pelo próprio Borat que já tinha quadros no programa de Ali G. Nos Estados Unidos, sua popularidade era menor, mas ele já havia feito uma apresentação no show de David Letterman bem antes do famigerado filme ser lançado por lá.

Para quem não sabe, Borat, o personagem, é um repórter do Cazaquistão que faz um documentário nos Estados Unidos destinado a seus conterrâneos, mostrando, através de entrevistas com os americanos, as virtudes do povo que habita a nação mais poderosa do planeta.

Com este discurso em mãos, Borat convence suas vítimas a participar do experimento, que na verdade é uma grande pegadinha. Tanto o personagem quanto sua terra de origem são retratados no filme de modo absurdamente estereotipado, rude e politicamente incorreto, mas, no caso de Borat, verossímil o bastante em seu sotaque e trejeitos para serem tidos como reais pelos entrevistados. Com isso, o projeto expõe as limitações, a ignorância e a hipocrisia de algumas alas do povo americano aprisionadas em seu narcisismo ideológico de donos da verdade.

Um olhar mais atento nos mostra que o filme vai além disso. Na verdade, nem todos os supostos participantes involuntários do projeto são, de fato, vítimas, e com isso, Borat revela que somos nós também patos da pegadinha.



Mas Borat não é só uma pegadinha. É a celebração de algo que vem acontecendo na TV há tempos: uma mesclagem entre as linguagens tidas como ficcionais e realistas ao ponto do espectador se perguntar onde uma coisa acaba e a outra começa e, num nível mais profundo, aperceber-se de que os dois já se fundiram numa coisa só e geraram novos gêneros narrativos que o público atual não tem dificuldade para assimilar. Borat existe e não existe. Nós "existimos" e "não existimos". O mundo do espetáculo pode ser mais real que a realidade, ou ser a própria realidade. Pode se divertir com nossa passividade existencial como nos divertíamos com os espetáculos antes deles nos tornarem passivos. Somos espetáculo. Espetáculo do espetáculo. A vida é um complexo de peças operadas pela indústria cultural.



Andy Kaufman tinha feito isso nos anos oitenta, mas seu público era diferente e o resultado das pegadinhas que armava com celebridades se fingindo de vítimas e confusões simuladas para acarretar reações no público em programas ao vivo foi um turbilhão de problemas que praticamente o tiraram do showbizz e impediram que alguém noticiasse seu câncer até a morte do ator comprová-lo.

O espectador pós-moderno não liga em ser manipulado, em descobrir que a verdade era mentira, que a mentira era verdade, que a verdade pode ou não ser mentira e que a ausência de mentira ou de verdade é uma realidade. Borat celebra (sacaneando) esse mundo. "O que é o Cazaquistão? Um país? Ah, aquele país fictício que aparece no filme do Borat, mas existe de verdade. O tal carro de sorvete percorreu mesmo os EUA? A pegadinha da Pamela Anderson foi armada? Quantos documentaristas, de fato, ficavam atrás das câmeras enquanto as vítimas eram filmadas?" Sei lá. Nem quero saber. É cinema e televisão, e o que vale é o que aparece. Sempre foi assim, mas talvez nenhum público estivesse tão pronto para encarar isso de modo mais assumido e relaxado como nas duas últimas décadas, estendendo isso a seus cotidianos.



Ah, tudo bem! Falando na boa... Fiquei sim curioso e dei uma pesquisada na pegadinha da Pamela Anderson para saber se foi armada. Foi. Descobrir isso me fez gostar mais da moça que, cá entre nós, mandou bem para diabo ao ser ensacada e fugir. Não consigo deixar de rir ao rever o trecho. A luta dos caras nus também foi qualquer coisa de sublime.

Há cenas inéditas de Borat nos EUA filmadas para sua série britânica, com o título de "Guia de Borat para os EUA". Parte desse material pode ser acessada através do youtube. Veja alguns episódios:

1 - Borat visita uma partida de Baseball

2 - Borat não consegue entender o sentido de um museu na California, tenta comprar um escravo e vai a outro rodeio.

3 - Aprenda a se defender da garra de um judeu

4 - Borat no clube de tiro

5 - Borat aprende a degustar vinho

6 - Borat toma aulas de boas maneiras

7 - Borat participa de um encontro arranjado, mas antes, pede dicas à conselheira

8 - Borat na academia

9 - Borat conversa com um anti-semita e quer aprender a caçar judeus

E não é só nos States que ele expõe o preconceito da galera não. Dois quadros do Guia de Borat para a Grã Bretanha:

1 - Borat na universidade de Cambridge, expondo o machismo da galera e aprendendo a jogar criquet.

2 - Borat aprende a flertar e a ser um cavalheiro