Monday, March 30, 2009

Pitacos de domingo (1) - Futebol



1 - Julio Cesar

Há algumas semanas, escrevi um post especificamente sobre o goleiro
Julio Cesar, mas a preguiça e outros fatores me impediram de terminá-lo. Basicamente, eu dizia o seguinte: Na história do futebol, o Brasil já foi tudo, já teve melhor time, melhor jogador, melhor atacante, maior goleador do mundo, da copa, de todos os tempos, mas nunca melhor goleiro. Aliás, só de dez anos para cá nossa seleção passou a ser respeitada nessa posição. Nossa escola de goleiros hoje permite que tenhamos arqueiros de nível internacional tanto entre titulares quanto reservas, e agora, enfim, a coroação desse esforço. Julio Cesar é hoje tão bom que até lembra os grandes momentos do lendário Michel Preud´Homme. Faz o estilo do goleiro milagreiro, de saltos espetaculares e defesas "impossíveis", o extremo oposto da escola Taffarel, de boa colocação e defesas "seguras". Se até ontem havia dúvidas, agora a imprensa já começa a admitir o que muitos já enxergavam como inevitável. Julio Cesar é ou vai ser muito em breve, e indiscutivelmente, o melhor goleiro do mundo. Melhor que Casillas, Buffon, Peter Czec ou Van Der Sar - boa parte destes, já em descendente. Julio Cesar vem em ascenção e sua grande fase pode ser coroada na próxima copa do mundo, caso estejamos lá.



2 - Brasil 1 X 1 Equador

Quanto à seleção, me parece óbvio que Dunga não preparou o time para a cara do jogo, e esqueceu, como tantos outros treinadores esquecem, que cada partida tem um perfil. Repetiu a escalação da vitória contra a Itália contra um adversário que, todos sabiam, tinha como forte o jogo pelas pontas, os cruzamentos e a altitude. Nossa seleção quis jogar mais encolhida e esperar os contra-ataques, mas não tinha sido armada para fazer esse jogo, nem para garantir a posse de bola nos chutões de Julio Cesar, nem para evitar os rebotes, naturais em partidas sob pressão. E se altitude sempre foi problema para o Brasil, se todos sabiam disso, porque não se prepararam para "segurar a avalanche" e aproveitar os contra-ataques, marcando do meio para trás? Pior, se o adversário se destacava pelas pontas, porque deixar seus melhores valores nas mãos de gente como Marcelo e Daniel Alves, ótimos no ataque e patéticos na defesa? Nossa escola de laterais precisa aprender a defender também. Lateral não é ponta. Se almejamos manter o estilo laterais-alas pós-94, precisamos de jogadores capazes de executar essa função ou de esquemas que não façam a defesa depender tanto da atitude individual deles. A cobertura de Josué, aliás, foi igualmente ridícula. Dando bote errado, chegando atrasado sempre, fazendo falta e tomando "come" toda vida.



Ninguém está falando muito a respeito ainda, mas nossa situação nas eliminatórias já é alarmante, quase tão complicada quanto em 2001. Temos, pela primeira vez, empatado jogos fáceis em casa e contando demais com os tropeços adversários. A partida contra o Peru é obrigação de vitória. Depois, será Uruguai em Montevidéu, Paraguai aqui e Argentina - muito melhor com Maradona e Billardo - em Buenos Aires. A máxima de que, bem ou mal, o Brasil sempre se classifica para a copa será colocada em cheque de novo.


Tuesday, March 17, 2009

Piraram na batatinha da Formula-1



Acaba de sair hoje uma das decisões mais estranhas e controversas da história da Formula-1. A partir de agora, a pontuação só servirá ao campeonato de pilotos como critério de desempate e como definidor de segundos, terceiros e quarto colocados em diante. O campeão será quem tiver o maior número de vitórias, independentemente do resto. Uma decisão estúpida, a meu ver, que criará situações atípicas e anti-competitivas ao longo da temporada. Alguém esqueceu de avisar aos donos da categoria que a tal competitividade não ocorre só na briga entre primeiro e segundo, mas em todas as posições, e uma vez que a quantidade de pontos passe a não determinar o campeão, teremos pilotos de ponta abdicando de uma prova ao perceberem que não podem vencê-la. A solução óbvia para se incentivar o duelo pela primeira posição seria aumentar a diferença de pontos entre primeiro e segundo para três ou quatro, em vez de dois. Isso já seria o bastante para fazer candidatos ao título arriscarem uma colocação confortável pelo posto mais alto do pódio. Não tenho bola de cristal, mas acho que essa foi uma mudança de regra incrivelmente equivocada e que pode estragar uma temporada que estava prometendo.

O jornalista Flavio Gomes comenta a decisão em seu blog.


Tuesday, March 10, 2009

Watchmen - um clipe metido a filme



Sou fã da série Watchmen dos quadrinhos. Li há pouco tempo e achei fantástica. A "Graphic Novel" de Alan Moore e David Gibbons tem tal relevância no mundo dos gibis e da ficção, que recebeu honrarias dedicada à pérolas da literatura. É a única HQ a constar na lista das 100 maiores obras literárias em língua inglesa escritas desde 1923, elaborada pelos críticos da revista Time, por exemplo. Com isso, choveram intentos para adaptar Watchmen à telona. Entre os candidatos, Terry Gilliam, que até tentou, mas achou a história intransferível devido à características fortemente relacionadas à midia original. Além disso, o enredo é longo e profundo, com histórias dentro de histórias dentro de histórias, todas densas, concatenadas e repletas de mensagens subliminares que nos fazem ingressar num mundo vivo, vibrante e que diz muito sobre a modernidade e a década em que foi escrito. Não foi por acaso que levaram vinte anos para transformar Watchmen em filme.

O desafio era imenso; os fãs da série, exigentes. Desconfiança pairava no ar, mas os primeiros sinais de recepção foram favoráveis. Críticos de alto calibre como Pablo Villaça, de quem sou fã, elogiaram o filme, como também o bonequinho do globo e outras mídias especializadas. Dos fãs, resposta igual, e apesar de minhas desconfianças (uma vez que assisti ao trailer e também fiquei ciente de quem dirigia o projeto), pensei que, no fim, fosse concordar com a opinião hegemônica de que, ao menos como versão, Watchmen, o filme, era bom. Desencanei e desembolsei dezesseis reais por uma cadeira no Roxy de Copacabana, esperando me divertir.



O longa começa. Empolga-me, o início. O Comediante era parecido com o do quadrinho e sua morte seria encenada em vez de insinuada em flashes como na HQ. "Ok. No problem". Veio a primeira luta e meus temores ganharam forma. Sim, as tais piruetas de enquadramento girando em 360 graus enquanto a imagem alterna lentidão com rapidez estavam acontecendo de novo, exatamente como naquele filme sobre espartanos, como é mesmo o nome? Ah, "300". Do mesmo diretor, não é? Ignorei-as e perdoei o virtuosismo besta me distraindo da história. O comediante quebra o vidro, a câmera pára e gira e volta e close no smiley ensangüentado quicando no chão. Com cinco minutos de filme, a empolgação inicial dá lugar ao tédio. Sim, aquilo era mais ou menos o que meus maus pressentimentos temiam. "300" com roupa de super-herói. Alan Moore não merecia isso.



Watchmen, o filme, é um fracasso. Terry Gilliam faria melhor. O roteiro precisou ser mudado e adaptado à curta duração do projeto e nisso os responsáveis mostraram empenho. Muitos diálogos do quadrinho estão lá, linha por linha, ou com passagens inseridas em outras falas. Flashbacks foram enxugados ou realocados, preservando suas sub-tramas básicas dentro do possível. O enredo do filme, embora enxuto e diferente, mostra-se fiel ao gibi, e talvez tenha sido isso a me revoltar mais que tudo, ver falas que eu tão bem conhecia mudando de contexto a ponto de "desdizer" o que diziam no quadrinho. A aparente fidelidade da adaptação funcionando como um álibi para que Zack Snyder, "o virtuoso", fizesse seu videoclipe de duas horas e meia sem importunações. E é isso que Watchmen é. Um clipão chinfim de duas horas e meia amparado por falas supostamente geniais desprovidas de um contexto que as faça dizer o que querem.

A HQ funcionava em níveis múltiplos de percepção, mas o filme se mantem no nível 1. Cada quadro precisa ser tão impactante quanto uma capa de revista. Mas uma sinfonia não pode ser tocada no apogeu do início ao fim. Musicalmente, ela deve "contar uma história", assim como Watchmen deve contar uma história, e uma história tem etapas, tem introdução, apogeu, conclusão... No caso de Watchmen, vai além, mas possui altos e baixos e nuances e silêncios reflexivos que fazem um emaranhado de elocubrações e situações ganharem sentido. Snyder ignora isso. Para ele, tanto faz se é um filme de faroeste, espartanos machistas de sunga ou super-heróis aposentados às vésperas do armagedon, o que vale é manter o espectador em contínuo deslumbre visual, olhos gozando a cada granulação de frame, cada salto, coreografia, gota caindo do cabelo meticulosamente esvoaçante do protagonista. Não há tempo ou espaço para pausas dramáticas, silêncios reflexivos, "ascendente e descendentes" que permitam a devida ingestão do que os diálogos propõem. As falas do roteiro têm de dar espaço ao exagero estético que nunca "afrouxa" e, por isso, mal se ouve o que é dito ante o show de estímulos. Talvez fosse melhor que não houvesse falas.


Chego a pensar nesse filme como um atentado à grandeza do quadrinho. Excedo-me? Duvido. Snyder pegou os diálogos de Moore e os anulou. Fez com que trabalhassem em prol do que questionavam. A crítica aos tempos republicanos, a Reagan, às visões unilaterais e suas conseqüências, às inversões de valores de uma sociedade doente que gera gente como Rorschach e o Comediante, "guardiões" de um mundo "torto", tudo isso virou apologia e brincadeira na mão de Snyder, como também a violência, presente na HQ, mas não de modo gratuito, gerando-nos, por isso, impacto e empatia com personagens e situações. No filme, não há empatia, ou humanismo, ou pontes que nos permitam entrar na história, pois não há história, só uma seqüência vazia de eventos.



O filme é um simulacro bidimensional do quadrinho. A morte do anão se finge fiel à obra, mas só quer mostrar sangue, maldade, maldade divertidinha. O Coruja não se choca com a atitude do ex-colega. Apoia-o numa careta como se dissesse "hell, yeah, kill this motherfucker" por dentro; o mesmo prazer mórbido dos espectadores que acharam engraçado quando Rorschach picou a cabeça de um assassino com um cutelo. "A seqüência foi quase igual ao quadrinho, com uma mísera diferença!" brada a mim um fã, no que respondo: Não. Não foi "igualzinha" ou quase. Fingiu que era. Simulou para legimimar o que Snyder queria que o público quisesse ver. A porrada, o braço cortado, o sangue digital que é "super maneiro, cara!". Esse Watchmen é um pornô onde os diálogos só prestam para entremear a ação que todo mundo espera. Mas a "ação" da HQ se dava "dentro da ação" ou onde ela não existia, uma "ação" que ocorria em nossos interiores pelo que não podíamos deixar de pensar, sentir, associar, na relação com o que a história nos comunicava. O psiquiatra só aparece no filme para que o filme nos diga que ele aparece, como uma penca de personagens, falas e seqüências dispensáveis; para que os fãs exclamem: "Ih, olha lá o psiquiatra da HQ! Ih, agora a seqüência das figuras! Ih, vai falar do cachorro agora, olha o cachorro, ih, legal, sinistro, assim desse jeito!" Nada acontece que não seja para justificar o lusco-fusco, o "verdadeiro filme de Snyder" como obra cult ou algo mais que um mero videoclipe.



Se entivesse vivo, Baudrillard consideraria a associação entre o longa e a HQ uma alegoria muito melhor de seu "Simulacros e Simulações" do que Matrix, onde se adorava citar o filósofo nos bastidores. As atuações em Watchmen seguem caminho idêntico. À exceção dos momentos de raiva, ironia, etc, as emoções são sempre em falsete; os personagens nada sentindo. São eles, não os atores, os verdadeiros intérpretes. Psicopatas interpretando humanos. Psicopatas simulando choque, tristeza ou compaixão a cada necessidade do enredo. Suas verdades interiores estampadas na máscara mórbida que, quando podia, deixava transparecer o material sádico e impassível do qual era feita.

Talvez o fato de poucos perceberem isso, que a mim parece óbvio, seja um sinal de que a doença que Moore denunciou em sua obra tenha contaminado o consenso público. Estamos mais rorschachiados e comediantizados do que nossos predecessores. Esses filmes e nossa aceitação deles refletem isso. Watchmen é a "grande piada" do Comediante Snyder para os Rorschachs dentro de nós.



Não creio que não existam qualidades no filme, mas estas são inofensivas frente ao desastre do conjunto. Para não dizer que odiei tudo, penso que um esboço de trama ameaçou dar as caras nos minutos finais, e de repente as falas moveram-se nas tumbas, levantaram-se, ameaçaram fazer-se valer e lutar contra o exagero visual pela atenção do espectador, estrebucharam e desfaleceram, pois era tarde e o estrago estava feito. Tecnicamente, muitas das soluções do roteiro adaptado fizeram sentindo (há falhas também), incluindo o fim alternativo, que precisou de menos retrospectos que o fim original requeriria, parecendo-me eficiente.

Tenho mais a falar de Watchmen, para o bem e para o mal, porém o choque negativo pela escolha do diretor, por sua interpretação do trabalho de Moore e pelo fato de tantos não terem exposto sua mediocridade me fez querer "botar para fora" em palavras e deixar de lado questões mais específicas do roteiro ou desse e daquele ator. Sei que não sou dono da verdade, e também não quero posar de politicamente correto, ou anti-estético, ou anti-violência, que para mim pode ser um recurso ótimo, desde que nas mãos certas, quer críticas ou sádicas. Um projeto como Watchmen merecia um diretor comprometido com a essência da trama.



Snyder é péssimo. Exagero por exagero, sanguinolência, impacto, porrada... prefiro Tarantino ou Rodrigues. Nenhum dos três faria Watchmen, dependendo de mim, mas Tarantino sabe diferenciar filme de videoclipe e Snyder não.




Nota posterior do autor: Escrevi este texto ontem (9/3) e o publiquei aqui na última madrugada. Sei que 90% da crítica apoia o filme, mas, aos poucos, vou descobrindo opiniões de fãs e especialistas com visões parecidas com a minha. Há minutos, esbarrei com um comentário de Isabela Boscov, da revista Veja, que tem muito a ver com o que escrevi. Para quem quer conferir o que ela disse, basta clicar aqui.