Saturday, April 11, 2009

Quando um é deixado para trás



Tenho um colega de orkut que mora no Texas, Estados Unidos, e serviu na guerra do Vietnã. Quando indagado sobre a veracidade ou o "realismo" de filmes que abordam o conflito, esse colega responde com desdém, principalmente em se tratando de sucessos como Apocaplipse Now, Full Metal Jacket ou Platoon. No entanto, uma característica comum em filmes focados nos fuzileiros americanos, segundo ele, é real. A filosofia do "No one is left behind". Os fuzileiros (não o exército) dos Estados Unidos são adestrados a não deixar, sob qualquer hipótese, seus colegas mortos e feridos para trás, ainda que novas baixas ocorram em função disso. Não sei até onde, na prática, a coisa é aplicada caso a caso, mas meu colega veterano disse que ela existe, e que, ao contrário do que muitos crêem ou insinuam - como Stanley Kubrick, em seu Full Metal Jacket, no trecho em que um terço de um pelotão morre em função de um único ferido - , é uma prerrogativa inteligente, ainda que custe caro. O benefício dela é o moral da tropa e a confiança e entrega mútua entre seus integrantes, algo valioso no campo de batalha. Chegamos a debater esse assunto e sempre tive dúvidas sobre até onde meu colega poderia ou não ter razão. Em Black Hawk Down, por exemplo, uma operação inteira foi prejudicada em função de um único soldado (o filme é baseado em fatos reais, mas não sei se é nesse ponto em particular). Valeria a pena tamanho sacrifício?



Admito continuar no limbo, mas após assistir ontem ao longa-metragem Valsa em Bashir, pude entender melhor o outro lado da questão. Há um trecho em que uma coluna de tanques é atacada e dois dos veículos pegam fogo, obrigando seus ocupantes a fugir a pé, expondo-se à morte certa. O resto da coluna, percebendo o tamanho do problema, bate em retirada sem hesitar, mas um dos fugitivos sobrevive e acha um jeito de reencontrar sua antiga companhia. O clima entre ele e os colegas recém-encontrados é péssimo, como também sua sensação de culpa por não ter feito "o máximo que podia" em prol dos que ficaram para trás. Ampliemos isso a todas as companhias ou a todos os regimentos, desde o início de uma campanha, cada soldado sabendo que, ao primeiro sinal de perrengue, pode ser abandonado e deixado ao inimigo. O medo e a sensação de isolamento crescem, a entrega, o moral e o auto-controle diminuem, e isso num contexto em que tudo conspira à desunião e à neutralização do senso de grupo necessário à funcionalidade do mecanismo militar.

Aliás, Valsa Com Bashir é um ótimo filme justamente por isso, não por esse trecho em particular (há outro em que um soldado morre tentando salvar o colega ferido) mas pela mensagem que desenvolve sobre a falta de sentido, preparo, percepção global e meritocracia inerentes a uma guerra, coisa pouco explorada em filmes do gênero, mesmo os mais críticos ou "realistas".


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