Thursday, October 09, 2008

Obama e McCain - Round 2



Para quem viu o primeiro debate entre os presidenciáveis norte-americanos John McCain e Barack Obama, o segundo, ocorrido anteontem, pode ter soado como a versão mais extensa de um mesmo filme, um "American Apocalypse Now Redux", com cenas extras, principalmente na primeira metade, quando se falou mais da crise nacional e de sua relação com a classe média. Em essência, não vimos um filme muito diferente do anterior.

Como no primeiro debate, McCain procurou aproveitar as questões de política externa para mostrar ao público o quanto Barack Obama é ingênuo e despreparado para lidar com detalhes de negociação internacional e estratégias militares, como quando este propõe uma retirada do Iraque com data marcada ou quer sentar na mesa com líderes de nações "hostis" sem antes estabelecer pesadas pré-condições, como Bush tem feito. O problema é que os desfechos recentes não favorecem McCain, e a cada ataque, Obama simplesmente responde que as políticas militares e diplomáticas apoiadas por seu adversário vêm fracassando no plano prático, afastando os EUA do resto do mundo.



É duro para McCain, ainda que seja considerado uma força renegada em seu partido, distanciar-se da posição de situacionista ante os espectadores. E num momento político e econômico tão negativo, isso lhe é brutal. Indicar Sarah Palin para vice pareceu uma tacada de mestre, na opinião de muitos, quando ela roubou parte do brilho e "jovialidade" da campanha adversária, mas suas gafes vêm transformando este sucesso inicial num problema. A atenção que ela naturalmente ganhou faz com que cada erro seu reverbere em incessantes críticas, paródias e sarcasmo midiático, manchando-lhe a imagem política até para depois da eleição, quer perca ou ganhe. Palin definitivamente não estava preparada para os empecilhos de uma campanha à vice-presidência.

Obama tem frases belas e um perfil que parece cair como uma luva para este momento de possível transição na história americana. Se sua inteligência, serenidade e postura política transgressora são mais retórica que realidade, só saberemos depois de novembro, caso vença. Por enquanto, ele só precisa parecer apropriado, algo que tem feito, evitando contra-atacar todas as investidas de McCain ou partir para uma postura agressiva. Suas hesitações do primeiro debate, onde de fato aparentou leves ares de desperaro ou desconhecimento em questões como a mudança da política militar americana na guerra contra o terror, foram abrandadas no debate seguinte, ainda que seu discurso não mudasse muito. Quis denotar força ao falar em jogar duro com Paquistão e Rússia, mas nele se nota uma certa ingenuidade de juventude, a mesma que prejudicou os primeiros anos do mandato de Kennedy e seus encontros iniciais com Nikita Kruschev. Há situações em que inteligência precisa de rodagem, e só a vivencia resolve isso. McCain tentou explorar esse aspecto do adversário sem sucesso.



Outro foco chave do debate foi a questão energética. McCain falou em auto-suficiencia e deixou claro, ainda que mencionasse energia alternativa, que seus principais investimentos serão energia nuclear e novos poços de petróleo. Para Obama, as fontes alternativas de energia parecem estar mais em pauta, embora a nuclear também apareça em sua agenda.

Houve importantes pontos de discórida entre os dois quanto à políticas de impostos e mudanças no sistema de saúde. McCain quis mostrar Obama como alguém que pretende, em sua plataforma de cortes e gastos, gastar mais do que cortar e tirar mais dos pequenos empresários num momento de crise em que seus impostos não podem ser aumentados. Obama defendeu-se, alegando que não pretende gastar mais do que cortar, e sim o inverso, remanejando a distribuição de gastos e arrecadação pública a fim de torná-los mais proveitosos para o país e o povo. McCain contra-atacou e acusou Obama de votar a favor de Bush ou do partido em diversas questões, como energia ou aumento de gastos.



Ao falar da crise, os presidenciáveis culparam a crescente "desregulação" das transações financeiras na última década. McCain ligou Obama aos trabalhos da Freddi Mac e Fannie May, colocando-o como o segundo maior receptor de doações dessas duas companhias, ao passo que ele, McCain, teria sido contrário as propostas de aumento de crédito imobiliario que elas incentivaram. Obama soube responder a altura e este talvez tenha sido seu melhor contra-ataque em todo o debate. Primeiro, fez um breve retrospecto de sua posição e da do adversário em relação à desregulação em Wall Street nos últimos anos. Em seguida, afirmou que jamais deu apoio à Fennie May, ao contrário do diretor da campanha de McCain, cuja firma é lobista da empresa.

No mais, o que todo mundo viu foi um repeteco elaborado do debate anterior, com McCain criticando a retirada de tropas proposta por Obama e suas "ameaças" abertas ao Paquistão, Obama retrucando com "Bomb, bomb, bomb Iran" e o fato de ter sido contra a guerra no Iraque desde o começo, McCain defendendo o sucesso do "surge" e acusando o oponente de não tê-lo apoiado, Obama técnico, holístico e perdendo chances de atingir McCain com mais eficácia enquanto este desferia jabs fracos e longes do alvo. Talvez a raíz do "fenômeno reprise" estivesse na própria natureza dos temas, praticamente os mesmos do debate anterior. Russia, China, energia, Irã, Iraque, Afeganistão, Paquistão, nada de imigração, nada de america latina ou políticas conjuntas de desarmamento mais eficazes. O momento agora parece ser de "fortalecer a America" e todas as perguntas e respostas seguem nessa direção. As recentes acusações de Palin sobre associações entre Obama e Billy Ayers não foram levantadas.



Quanto à linguagem corporal dos candidatos, elemento importante na opinião de boa parte do público, Obama parece ter levado vantagem. Mostrou-se mais sereno ao falar ou ouvir críticas do oponente. Olhou-o nos olhos enquanto McCain lhe virava as costas ou se referia ao democrata como "that one" em tons de sarcasmo.

Para a mídia, Barack venceu este round. Para mim também, com uma pequena diferença. Foi mais claro em suas propostas internas (ou menos vago, como preferirem). Se a campanha de McCain não achar um podre do adversário até novembro ou Obama não cometer grandes deslizes, teremos, em 26 dias, o primeiro presidente negro da história estadunidense. Ou isso, ou estamos só testemunhando uma nova edição do "efeito Bradley", o que, espero, não seja verdade.

Enquanto isso, Tina Fey mostra que está ainda mais afiada em seu novo personagem. A imitação que faz da "quase irmã gêmea" Sarah Palin no debate dos Vice-Presidentes é de tirar o chapéu.


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