Monday, July 03, 2006

Reflexões sobre o mundial da Alemanha - parte 11

Brasil X França. A ressurreição do pesadelo.



Eis, amigos, a “encoberta” verdade sobre 1998! O grande segredo por trás de uma final de copa que suscitaria, pelo menos até anteontem, o imaginário de milhões de torcedores, incrédulos na legitimidade do futebol pífio apresentado por nossa seleção, convictos na existência de alguma trama escusa – possivelmente ligada à “suspeita” convulsão de Ronaldo horas antes da partida começar – que nos tivesse feito entregá-la em troca de qualquer favor idiota oferecido pela FIFA, Adidas, Nike, ou sabe-se lá quem, e, desta incapacidade de lidar com o óbvio, folclores e teorias sobre arranjos de resultados nasceram, mesmo fora do Brasil, afinal, o “grande time” que jogara “tão maravilhosamente bem” contra a Holanda nas semi-finais não podia perder como perdeu: apático, confuso, incapaz de reagir, e o problema de Ronaldo viraria desculpa para Zagallo, Bebeto e outros protagonistas do infame episódio na hora de justificar seus fracassos. Dunga, claro, seria exceção, e não hesitaria em enfatizar a relevância dos méritos adversários como elemento determinante do “desastre”. Desastre que, de algum ponto perdido no limbo esportivo, resolveu ressurgir, revivendo máculas e glórias de uma decisão até então questionada, talvez para desfazer mal-entendidos, remover nossas vendas de narcisismo ferido, castigar a empáfia de uma nação que só consegue analisar futebol olhando o próprio umbigo, repetir uma lição que nunca foi e dificilmente será aprendida, a lição de que estrelas nem sempre resolvem campeonato, de que ostentar um bom time transcende ter um plantel de craques, de que podemos possuir os melhores jogadores (será?), mas não necessariamente o melhor futebol, e de que este esporte também envolve estratégia, estudo, racionalidade, repetição, planejamento, treino, opções de jogo, prevalescência tática, física, emocional, de que “se deu certo anteontem e ontem”, não significa que ocorrerá de novo, de que se erramos e consertamos em cima da hora em alguns torneios onde triunfamos, não precisaremos errar outra vez para repetir a mesma “mística” vencedora.



Como em 1998, perdemos anteontem para um time mais inteligente, com uma estratégia superior à nossa, com um “maestro” intelectualmente mais capaz de compreender e manipular o jogo do que qualquer Kaká, Cafu ou Ronaldinho. Se capengamos e tropeçamos até a decisão de 98, sobrevivendo mais do talento individual do que de qualquer capacidade estratégica ou tática que Zagallo pudesse possuir na manga (ainda que proporcionássemos esporádicas exibições mais convincentes); em 2006, fomos além na mediocridade, e, de novo, os “azuis” de Zidane apareceram dos céus para mostrar ao Brasil que nosso suposto “melhor futebol do mundo” não pode mais sobreviver de improvisos, nomes, Marketing, brados, folclores, místicas, lampejos intuitivos e supertições, que se a alguns adversários sempre faltou o tal “brilho a mais” que fizesse diferença nos momentos decisivos, que se a essa mesma França faltara magia até anteontem e decerto faltará quando Zidane se aposentar, a nós carece inteligência, capacidade analítica, e, claro, fundamentos básicos de outras seleções onde atacantes sabem jogar sem bola e meio-campistas conseguem completar um passe longo e ligar contra-ataques sem grandes dificuldades.
Isso, claro, sem mencionar nosso velho caos organizacional de bastidores futebolísticos, malogrado por ervas daninhas que usam o esporte preferido da nação como pretexto para enriquecer, vampiros da bola lucrando alto com cada transação, negociata escusa, patrocínio, saída ou entrada de jogador, mandando e desmandando dentro e fora do país, protegidos e legitimados pelo escudo dos clubes e federações que representam. O grande segredo de 98, revelado anteontem ao mais incrédulo dos incrédulos, pouco teve a ver com supostas convulsões de Ronaldo e certamente não envolveu qualquer entrega de resultado; o segredo foi uma mistura de talento e inteligência, de aliar qualidade técnica à estratégia, foi ter um amplo conhecimento sobre nós, nossos padrões, fraquezas, nossa terrível incapacidade de reagir e reorganizar quando surpreendidos e encurralados em nosso “modus-operandi”. Como em 98, o Brasil se deparou com um antídoto e não conseguiu se transformar ao longo de noventa minutos, ler a partida, utilizar opções, desenvolver alternativas sobressalentes para o caso de problemas com o “plano A”. Zagallo não tinha “planos B” em 98, e tampouco Parreira em 2006, apenas idéias vagas desenvolvidas ao longo do mundial, “pôr esse ou aquele jogador”, “um volante a mais ou um atacante a menos”.

O segredo de 98 foi que apostar demais no jeitinho brasileiro pode nos fazer cair de joelhos ante a inexorabilidade racional dos europeus, especialmente se estiver ela aliada ao talento diferenciado de dois ou três jogadores, simbolizados anteontem por uma mistura de África com “Velho continente”, uma autêntica legião estrangeira pós-globalização encabeçada por general “Zizou”, seus tenente Henry e Vieira, sargentos Makelele, Thuram e Ribery, e todo um exército azul, branco e vermelho a marchar incólume sob o som da marselhesa enquanto enterrava cabeças verde-amarelas de mauricinhos e pop-stars sem comando ou qualquer noção do que ocorria em combate. Como Napoleão, Zidane fez seu exército dividir nossos apáticos representantes, isolá-los, anula-los no âmbito coletivo até torná-los quase inofensivos, atabalhoados, desesperados ante a morte anunciada. Não houve batalha, resistência ou honrarias. Fomos, como em 98, escurraçados da copa por nêmesis imbuídos em anunciar ao mundo que o futebol brasileiro era uma farsa.
Se em Paris podíamos ser parcamente redimidos pela atuação satisfatória das semi-finais contra uma Holanda que nos sobrepujara por cerca de 70 minutos, perdera gols quase impossíveis, mas também nos brindara com um desgaste físico de prorrogação que ofereceria chances para mudarmos a imagem histórica de uma partida; anteontem, não houve atenuantes ou desculpas esfarrapadas, nenhum jogo anterior que nos consolasse, nenhum mistério que nos fizesse acreditar em conspirações folclóricas. Perdemos em campo e perdemos para o mundo inteiro saber da copa em que fomos um time de várzea, do mundial em que sucumbimos à arrogância da CBF, a uma preparação mal elaborada capaz de dispensar amistosos importantes para depois reclamar da falta deles quando o navio afundasse, a um grupo covarde, técnico e jogadores incapazes de contextualizar um problema e elaborar soluções ao longo de noventa minutos ou mesmo entre um jogo e outro. Parreira não perdeu porque quis jogar feio ou bonito; Parreira não adotou sua filosofia “pragmática” de 94, como tanto anunciaria a seus críticos, mas apenas a utilizou como pretexto para endossar vitórias fortuitas, quase casuais, onde estivemos a beira do gol de empate ou da derrota o tempo inteiro, gol que, por capricho e muito esforço dos pobres Dida, Juan e Lucio, não nos surpreendeu enquanto podia, deixando para aparecer justamente quando não mais fosse possível mudar, ousar ou arriscar. Se Parreira foi sensato ao colocar Juninho em campo, mesmo tendo esta escalação falhado além de minhas pobres e talvez enganosas expectativas, foi incoerente ao deixar Robinho por tanto tempo no banco, mesmo diante do óbvio, mesmo depois do gol, preferindo restabelecer seu time predileto com Adriano, talvez para calar a crítica com mais um golzinho espírita, prorrogando assim uma reação que poderia ao menos atenuar nosso vexame, garantir uma derrota digna ou até um empate em tempo normal, sucedido (Por que não?) de uma semi-final que nos possibilitasse enterrar Brasil X França de 2006 como Brasil X Inglaterra fez com Brasil X Bélgica em 2002, evitando que um erro de escalação marcasse uma era em nosso futebol, pois, em copa do mundo, o que ocorre durante 90 minutos de uma decisão ou ao longo de uma campanha, fica para sempre, acima de trocentos jogos de eliminatória, Copa das confederações ou comerciais da Nike. A humilhação de anteontem não sucedeu apenas por erros de escalação, mas coroou uma série de equívocos que permanecerão entranhados em nosso futebol, protegidos esporadicamente entre um título e outro, esquecidos a cada euforia e reavivados a cada comprovação de nosso eterno desleixo. Essa copa será marcada para nós como a copa da vergonha, a copa que humilhou nosso futebol como tanto temi ao longo de “reflexões” escritas neste blog, reflexões ingenuamente esperançosas de um milagre, mas profeticamente temerosas de um mico anunciado e confirmado. Esse time francês que nos venceu dificilmente voltará a brilhar como anteontem, pois, apesar da inesperada evolução que apresentara desde sua estréia, apesar de Henry e “Zizou”, ostenta ainda vestígios claros de mediocridade, que, mesmo diante de um oponente tão inexpressivo, mesmo diante de inquestionáveis méritos em nos sufocar por quase noventa minutos, ameaçaram reaparecer, e talvez reluzissem fortes, especialmente no pobre Barthez, se Robinho adentrasse o campo mais cedo, mas em futebol e na vida não existem “ses”, apenas a história, a irreversível história de um ovo fabergé que se estatelou e apagou o futebol brasileiro por quatro longos anos.



Perder é normal, mas não perdemos anteontem, fomos cuspidos do mundial pela porta dos fundos.


Texto a ser publicado no blog
Fanáticos por Copa


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