Wednesday, June 14, 2006

Reflexões sobre o mundial da Alemanha - parte 4

O OVO FABERGÉ CANARINHO



Faz mais ou menos uma semana que saiu na TV uma reportagem sobre "como vencer o Brasil na copa", segundo opiniões de cronistas esportivos estrangeiros. Um deles comparava nossa equipe a um ovo fabergé, maravilhosamente bem elaborado, belíssimo, magnânimo e também frágil. Muito frágil.
Estou certo de que qualquer brasileiro, quer torcedor, narrador, comentarista esportivo, técnico ou jogador da seleção, concorda que nossa equipe esteve mal, apesar da recente vitória sobre a Croácia, como também concorda que Ronaldo esteve péssimo, mas decerto divergirá, e muito, ao tentar diagnosticar os motivos da pífia atuação. Já imagino Trajanos, Calazans e PVCs procurando explicar a fraca eficácia do "quarteto mágico" e possíveis soluções ofensivas para o time que o permitiriam fluir melhor, "tocar a bola mais rápido", colocar Robinho no lugar de Ronaldo, problemas físicos de A, B ou C, e, se alguém porventura cogitar que um atacante precisa sair, decerto clamará por outro. Dia desses, um cronista famoso bradou aos quatro ventos o quão decepcionado ficaria se Parreira abrisse mão se de seu quarteto, "acovardando-se", jogando um "futebol de resultados".
Individualmente, a seleção não esteve mal, principalmente atrás. Dida, Cafu, Lúcio e Juan mostraram-se eficazes, Kaká, Zé Roberto e Ronaldinho Gaúcho produziram. Adriano jogou mal, mas colaborou tirando Nico Kovac da partida. Nosso entrosamento ofensivo esteve aquém dos objetivos, mas isso era esperado, pelo menos por quem entende que copa do mundo não é comercial da Nike, que o slogan "joga bonito" nem sempre prevalece em campo ao longo de uma partida. Aliás, encarnar demasiadamente essa campanha publicitária pode arrebentar nosso ovo fabergé de maneira humilhante nessa copa, e bem cedo.



Até entendo a relevância em discutir atuações individuais na análise da estréia canarinho, de questionar Adriano e Ronaldo na escalação titular, mas considero isso menor do que tocar no tabu evitado por grande parte da crônica esportiva nacional. Até onde vale a pena insistir no "quarteto" ? Até onde devemos apostar nessa formação leve e ofensiva demais que deixa espaços sempre que sobe, sobrecarregando Emerson, Zé Roberto e toda o sistema defensivo, que precisa de um entrosamento, uma coordenação, uma fluência muito bem treinada e orquestrada para não sucumbir à tendência natural que possui de vulnerabilizar a equipe sempre que perdemos a bola, deixando nossos defensores no fio da navalha, criando riscos desnecessários em partidas que poderíamos jogar e triunfar com mais tranqüilidade?



O tal "quadrado mágico" surgiu nas eliminatórias, quando Parreira decidiu trocar seu 4-4-2 com um volante fixo e dois "móveis" por outro de um volante fixo e um "móvel", abrindo brecha para a escalação de um meia leve ou um atacante, buscando melhorar a capacidade ofensiva do time, o que de fato ocorreu. Esta modificação funcionou mal no primeiro teste, mas duas partidas depois, contra o Paraguai, provou-se, no mínimo, um recurso valioso. Dias mais tarde, contra a Argentina em Buenos Aires, desastre: o time leve do Brasil viu-se surpreendido por um adversário pegador, tomando 3 gols no primeiro tempo, e apenas jogando de igual para igual quando trocou um integrante do quarteto por Juninho pernambucano (ou outro volante, não me lembro bem), desfazendo a formação. Questionou-se então a eficácia e a aplicabilidade do "quadrado", mas era cedo para desistir, e Parreira decidiu testá-lo definitivamente na Copa das Confederações.
A novidade tática soou, para grande parte da imprensa esportiva, como uma "evolução" das "tendências conservadoras" atribuídas ao técnico. Pouco importava a nossos cronistas se a seleção atuasse mal com seu "quadrado" em campo, pois os problemas estariam sempre em outro setor, e sempre haveria uma nova fórmula mágica de fazer o quarteto funcionar. De fato, há, mas cogito se realmente vale a pena correr riscos significativos para busca-las com tão pouco tempo disponível em vez de partir para iniciativas mais simples.



Por fim, a Copa das Confederações chegou e o quarteto, então com Kaká, Robinho, Ronaldinho Gaúcho e Adriano fez seu teste, obtendo certo êxito em alguns confrontos e gerando problemas em outros. Sim, o Brasil venceu sua competição após partida brilhante contra uma Argentina desfalcada, embora perigosa, mas correu riscos idiotas e desnecessários na primeira fase enfrentando equipes medianas e por pouco não se viu eliminado por um Japão oportunista, que apenas soube tirar vantagem de nossas clamorosas deficiências. Nas semi-finais, também penamos para vencer uma Alemanha que tinha os mesmos defeitos defensivos crônicos do Brasil e era bem inferior tecnicamente. Contra a Argentina, o quadrado pareceu funcionar sem deixar grandes buracos, mas apenas até metade do segundo tempo, quando Juninho Pernambucano (ou outro volante, não me lembro exatamente) entrou em campo para colocar mais "pegada" e ordem no meio. Vencemos, o quarteto foi "aprovado" e a equipe da Copa das Confederações acabaria servindo de base para a Copa de 2006, embora parte de seu elenco (incluindo um membro do quarteto) não fosse mais o mesmo. De novembro para cá, comentaristas esportivos têm se esforçado em debater quem deveria formar o "quadrado mágico", mas raramente questionam sua real necessidade, temendo o desperdício de talentos que a adoção de um "triângulo" significaria. Eis decerto a problemática do Brasil nesta copa. O que é melhor? Tentar aproveitar o maior número de talentos possíveis, comprometendo a solidez do time e apostando na "magia" do ovo fabergé ou diminuir um pouco seu brilho em nome da rigidez? Outra pergunta: Até onde tirar um centro-avante para colocar Juninho Pernambucano (em vez de Robinho) seria, de fato, um desperdício de talento? Há quatro anos, Felipão trocou seu esquema sólido de dois volantes por outro com dois "meias" às vésperas da copa do mundo, tornando sua equipe tão frágil quanto este Brasil que jogou ontem, mas numa chave que permitia esse luxo. Quis repetir a fórmula nas oitavas de final e quase foi enxotado pela seleção belga, algo que comprometeria gravemente a história de toda uma geração de atletas. Voltou a jogar com dois volantes contra a Inglaterra e vislumbrou sua equipe dando um salto qualitativo impressionante até o fim da competição. O problema é que esses erros nem sempre deixam margem a uma segunda chance, nem sempre nos permitem um jogo seguinte que comprove nosso real potencial, e a imagem do erro vira a imagem de uma era. Ontem, apesar do adversário forte, tivemos uma segunda chance. Resta saber se Parreira esperará ainda uma terceira ou quarta até fazer o necessário, quer abolindo o quarteto, substituindo Ronaldo ou ambos. O que não se pode é apostar demais no brilho e esquecer a solidez, preocupar-se em abrir brechas na defesa adversária ignorando as próprias deficiências, porque sempre haverá situações numa copa do mundo onde o ataque enfrentará dificuldade para fluir e dependerá da eficácia de uma defesa igualmente destrutiva, evitando que percamos jogos para nossa própria fragilidade em vez do mérito oponente. Se for para sairmos mais cedo desse mundial, que seja sucumbindo ao talento alheio e não a nosso malfadado desleixo defensivo. Assim teríamos, de certo modo, aproveitado essa geração para fazer história, mesmo sem ganhar o título, em vez de pagar um grande mico.



Ontem, corremos riscos idiotas. A simples substituição de um centro-avante por Juninho Pernambucano teria tornado o jogo completamente diferente do que foi. A Croácia jogou bem, mas só deu tanto trabalho a nosso goleiro porque Parreira permitiu, mantendo Ronado e o quadrado tempo demais em campo, mesmo quando já vencia por 1 x 0.

Texto também publicado no blog Fanáticos por Copa


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