Thursday, February 21, 2008

Fama com cara de mico



Houve um tempo em que não existia youtube, a maioria das pessoas não falava inglês e nossos embaraços públicos tendiam a ser conhecidos apenas localmente, raras exceções, ou seja, um "filme queimado" poderia ser restaurado, tão logo o humilhado mudasse de bairro, colégio, cidade, estado, ou, em casos extremos, de país. Viabilizar a profecia de Warholl dos 15 minutos de fama não foi a única conquista propiciada pela evolução tecnológica recente. A contrapartida deste feito foi justamente potencializar nossos micos a dimensões globais. Hoje, três minutos de deslize na frente de um celular podem aniquilar uma reputação para sempre, e via satélite. Se tal embaraço ocorre num programa de TV então, o desastre é quase certo, e 15 minutos de fama viram uma vida de pesadelo.

Quem sonha em embarcar na onda da fama instantânea que Reality shows e exibições youtubianas viabilizam, deve pensar bem, porque o tiro pode sair pela culatra. Big Brothers e American Idols funcionam como um pacto com o diabo onde mundos de sonhos são oferecidos pela bagatela de uma alma, uma reputação. Para muitos, um trato justo pelo qual vale a pena arriscar-se e perder-se. Para os menos preparados, um jogo perigoso que em vez de escancarar portas, pode selar oportunidades por anos.



O mundo da fama e glória televisiva foi sempre assim? Claro. Mas antes os acessos eram mais restritos, difíceis, demorados e para pessoas com um mínimo de preparo. O que rolava de ruim nos shows de calouros de ontem não se compara com o absurdo dos American Idols de hoje, até porque, diferentemente de seus antecessores, o foco dos programas atuais não está em revelar talentos, como se supõe, mas em expor a falta deles, elevar mundanismo e mediocridade à condição de excelência, subverter relações de valor e gerar entretenimento pelo caminho inverso ao do talento e do mérito, divertindo pela vergonha da incapacidade, pela humilhação, embaraço e "saia justa". A maior parte dos aprovados não se revela vencedora, mas meros sobreviventes, gente que só escapou da sina do mico. Em suma, sua aprovação não "abriu portas", não os levou a "algum lugar"; só os poupou da armadilha. Pior que isso é ver tantos entrando nessa canoa sem perceber o engodo, despreparados para as verdades do trato. "American Idol" e "O Aprendiz" atraem público pelo que geram de pérfido, e a busca do talento é só uma desculpa, já que o espectador quer ver sangue, ver Simon destroçar a inocência de um coitado ou Trump aniquilar um ego em nome da sagrada eficiencia corporativa. Quem assiste esses shows não deseja presenciar sonhos se realizando, mas se destroçando, aliviar a dor própria com a alheia, ver seu cotidiano de desilusão refletido e ampliado em "heróis-consolo"; sentir-se menos triste por "pelo menos" não ser aquele pobre coitado que se fudeu na telinha.



Dias atrás, um garoto alemão de dezessete anos imaginou que podia testar suas aptidões num programa cópia de "American Idol" exibido em seu país, que conta inclusive com uma versão "Hans" do famigerado Simon. O moleque, que não tinha talento algum mas contava com o apoio do pai, estava nervoso e decerto não esperava que sua chance ao estrelato fosse virar a sina de uma vida. O mega-mico que pagou, além de render um colapso nervoso em rede nacional, custou também o respeito dos colegas na vizinhança e na escola, onde não pára de ser zoado desde então. E não lhe bastará mudar de colégio, de bairro, ou cidade. Seu único aliado talvez seja a memória curta que caracteriza boa parte do público televisivo atual. Seria ela curta o bastante? E quem viu o mico de tabela? Esquecerá também?

Se você sonha em fazer um pacto de popularidade com Mephistópheles, fique atento às entrelinhas, ou acabará enrolado nelas, talvez para sempre.

Abaixo, o famigerado episódio alemão de "Ídolos", estrelando Raymund Ringele e sua antológica perfomance, antes e depois do veredito dos jurados.



Se por acaso você não entende as legendas em inglês, não se preocupe. Certos vexames dispensam palavras.

3 comments:

Unknown said...

E, afinal de contas, Andy Warhol não estava certo?
Abs.

Anonymous said...

A relação que a gente tem hoje com a tv é meio idólatra, medieval; tudo o que a tv diz é necessariamente verdade, ela é a nossa Bíblia. Nem mesmo a Igreja Universal seria "tão boa assim" se a tv assim não o dissesse. Logo, se a edição de um BBB induz que participante fulano de tal é o "maior canalha do mundo", a gente acredita nisso com facilidade. A gente é assim até com novela. É sempre AMOR x ÓDIO, HERÓI x VILÃO. Até mesmo os telejornais estão meio estruturados dessa maneira. Dificilmente a tv fornece algum subsídio para que o indivíduo possa refletir as coisas de uma maneira ponderada, racional, porque o que o prof. Renato Janine Ribeiro chama de "afeto autoritário" contaminou quase tudo o que passa na telinha. Assim, a nossa forma de pensar a política ou a questão da insegurança pública é muito parecida com a maneira como assistimos uma novela e um BBB. E toda relação de idolatria serve para - como foi dito no texto - compensar "alguma falta"; na tv o cidadão está ali como um Cristo, para ser amado, odiado, sugado, engolido, explorado, violentado, adorado, glorificado etc. Raramente compreendido ou analisado com um olhar mais racional e reflexivo. É só ver o BBB duas ou três vezes para perceber que aquilo é uma armadilha para criar vilões nacionais; ou que esses programas da tarde pseudo-psicológicos que afirmam "ajudar pessoas a resolver seus problemas" estão apenas ridicularizando seus participantes e, dessa forma, explorando sua imagem. E é o que foi dito no texto mesmo... o tal do "pelo menos eu não sou esse cara que se fodeu". Com a tv nós podemos descarregar a falta de amor na vida real, e compensar a violência nossa de todos os dias pelo ódio.

Surfista said...

Bem-vindo à Sala da Justiça, rapaz! Tá linkado!