Tuesday, April 08, 2008

Os cinco injustiçados


Não era exatamente esta a surpresa anunciada para antes do "Boletim Formula-1", previsto para estrear mês passado, adiado a esta semana, e sem previsão certa para inauguração, já que concorre com outras idéias em minha mente, e, dependendo da inspiração, pode ou não retomar a geladeira.

Esse sábado recebi um meme criativo do blog Cinéfilo, Eu?, e o repasso a seis outros blogs: Bagulho Digital, Diógenes em Dogville, Psychoblog, Tendências S.A., Fábrica de Bobagens e Blog da Ellie.

A idéia do meme é listar cinco filmes que o blogueiro considere excelentes, mas subestimados pelo público e pela crítica especializada. Pode-se justificar as escolhas, mas não é necessário fazê-lo.

Lá vai minha lista e suas respectivas justificações:



1 - Calígula (1979 - Tinto Brass / Gore Vidal / Bob Guccione)

Não poderia começar com outro filme. Considero esta uma obra de grande relevância artística e história, encarada por muitos como um trabalho menor, uma pornochanchada de alto orçamento disfarçada de épico. Não é. Ainda que Guccione utilizasse o filme para promover suas playmates, a idéia e a essência da coisa foram anteriores à sua entrada no projeto, anteriores às divergências entre Brass e Vidal. Calígula atinge exatamente aquilo que nenhuma produção hollywoodiana conseguiu ao longo da história, nem Gladiador, nem Cleópatra, nem Ben Hur (apesar do mesmo roteirista), nem aquela série asséptica da HBO repleta de romanos comedidos e puritanos. A alma de glorioso império enfim emerge a ponto do espectador perceber subliminares e consistentes relações orgânicas entre a arquitetura, a indumentária e os trejeitos dos personagens. Heranças da castração cristã e da fugacidade pragmática de nosso tempo são surrupiados, distorcidos, abandonados, questionados e embebidos nos frutos da liberação sexual dos anos 60, ainda fresca nos ideais culturais correntes, mas em crescente maculação mercantilista. Calígula é um filme ousado que alça ares de verdade artística e até histórica sem premanecer focado em propostas realistas de cunho reprodutivo ou pseudo-reprodutivo, preferindo o teatral, o alegórico, o falso para tocar o verdadeiro. Não sei se é a melhor obra de época sobre o império, mas dá chocolate em qualquer dessas produções americanoides que resumem o espírito de Roma a seu lado combativo, decerto o único ponto em que os donos do mundo moderno encontram elos com os do mundo antigo.

Assista ao trailer aqui


2 - 1941, Uma Guerra Muito Louca (1979 - Steven Spielberg)

A primeira comédia de Spielberg é considerada por muitos como seu primeiro fiasco. O prejuízo nas caixas registradoras não dá margens a interpretações diferentes sob o prisma mercadológico, mas a espectativa criadas por sucessos anteriores como Tubarão e Contatos Imediatos do Terceiro Grau geraram um descontentamento injusto de público e crítica. Ao contrário do que disseram, nem o elenco abarrotado de estrelas e nem o roteiro decepcionaram. 1941 é uma comédia leve, inteligente e relativamente despretensiosa que lida com o elemento pastelão na medida certa ao misturá-lo com a paranóia do período retratado e funciona do início ao fim. Sua dinâmica flúida e ininterrupta seria retomada nas aventuras do personagem Indiana Jones, uma espécie de filho híbrido desta empreitada. Lembro-me do que senti quando moleque, aos primeiros contatos com este filme, e de como jamais me decepcionei ao rever John Belushi e Dan Aykroid em seus ataques de histeria. Se 1941 virou nota de rodapé da filmografia de Spielberg na opinião do imaginário público, para mim e muitos ainda consta como exemplo de competência e referência de cinema cômico.

Assista ao trailer aqui


3 - A Hora do Show (2000 - Spike Lee)

Considero esta uma das principais obras senão a melhor do polêmico diretor. Bamboozled (ou "Hora do Show", em português) passou batido dos cinemas brasileiros e chamou mais atenção em sua terra natal pelas controvérsias levantadas do que pela grandeza poética. O filme denota uma etapa mais madura de Spike Lee, que aborda seu tema favorito de modo profundo, mais auto-crítico, diluindo aquele rancor típico de seus personagens em caracterizações e diálogos mais sutis, dúbios, volúveis, trocando os "socos" de "Do the Right Thing" por eficazes luvas de pelica. Lee destila os traumas afro-americanos estabelecendo elos complexos com o mercado e a história ao afirmar que o antigo circo do homem branco pode ter mudado de cara, mas nunca deixou de existir. Os palhaços de hoje são tão ou mais conformados do que aqueles que atuavam nos "Menestréis" do passado, visto que, sem perceber, alimentam a máquina opressora cada vez que põem adiante suas idéias de contestação e ação afirmativa, distorcidas e superficializadas pela industria cultural ao longo do tempo. Michael Rappaport e Damon Wayans geram um delicioso e contraditório dueto com seus personagens. Samion Glover e Tommy Davidson completam a sinfonia atuando impecavelmente. Em filmes como este, o lado militante de Lee permanece firme, mas concedendo espaço ao artista e ao criador. Pena que "A Hora do Show" seja tão menos conhecido que seus "irmãos" de maior sucesso.

Assita ao trailer aqui


4 - Brazil (1985 - Terry Gilliam)

Este filme, apesar do nome, nada tem a ver com nosso país, pelo menos em tese. Análises mais profundas podem sim oferecer relações contundentes entre a máquina burocrática nacional e a dos personagens. Brazil é filho de uma era crítica que almejava descontruir pilares na "Sociedade da disciplina" como tão bem fizeram 1984 e Laranja Mecânica, apontando um apocalíptico futuro de pessoas maquinizadas pela opressão social, desesperadas em encontrar uma brecha por onde pudessem respirar ares de liberdade e descompromisso. Tudo começa com um homem, uma paixão proibida, um brado pelos valores da individualidade, ameaçados na realidade de então pela massificação consumista do capitalismo e por imposições e limitações no comunismo. O clima estéril, sombrio, azulado, desprovido da magia e infestado pela "concretude" cética da realidade industrial reduz sonhos a aspirações profissionais, civis e materiais desprovidas de qualquer brilho ou humanidade. O universo criado por Gilliam funciona na ficção e nos paralelos que faz com a impessoalidade moderna e pós-moderna. O fim do comunismo e as transformações ocorridas naquele modernismo que Foucault um dia chamou "Sociedade da disciplina" não envelheceram este filme. Ao contrário. Provaram-no profético.

Assista ao trailer aqui

Assista a um documentário em três partes sobre o filme aqui


5 - O Enigma do Outro Mundo (1982 - John Carpenter)

Lançado às telas como remake de algum filme antigo, esta obra mostra o quanto a ficção científica pode ser levada à condição de terror e suspense a ponto de poder competir com obras puras desses gêneros. É um filme tenso, claustrofóbico, que justifica e multiplica os medos do espectador em cada "revelação" do monstro alienígena. A história se inicia quando um grupo de pesquisadores instalados na Antártida salva um cão da morte e encontra uma estação norueguesa abandonada onde estão cadáveres e um estranho corpo congelado. Deste ponto em diante, coisas bizarras passam a acontecer entre eles. Muitos hoje encaram "O Enigma do Outro Mundo" como um "gore" de segunda repleto de "defeitos especiais". Tais "defeitos" me assombraram por semanas e, pelo menos sob meu ponto de vista, ainda funcionam. Ouvi dizer que há planos para outro remake da produção. É esperar para ver.


Assista ao trailer aqui



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Lido o texto, reparadas ou não as injustiças, fica no ar uma pergunta... Como seria um remake de Calígula com atores da nova geração? Quem seriam os intérpretes?



5 comments:

Ellie... said...

Olá mendes !!! xD
mto feliz pelo convite, porém nao sei se irei fazer -\
pra falar a verdade acho q nao tenho gabarito para tanto -o .. deixo p os profissas ;) .. nao passo de uma amante. nada aprofundado.. mas lhe prometo algo parecido! nao sei pra qdo =S ..mas a promessa está feita -). sua lista.. ah, impecável é claro! -) com tais comentários, como poderia ser diferent?
fique-bn !!! até mais... ;]

Surfista said...

Salve!
Da sua lista, só vi o "Enigma", que continuo achando genial. Quanto ao "Calígula", confesso que tenho um preconceito quanto a esse filme. Nunca me interessei em vê-lo, mas reconheço o quanto ele continua sendo falado (para o bem ou para o mal) décadas após seu lançamento. Relevante ele foi.

Unknown said...

Sabia que viria coisa boa. Sua lista está impecável. Só não conferi o joint do Spike Lee, o que já estou providenciando.

Eu vi Calígula na TV, em duas partes, naquele canal que durou pouquíssimo tempo. Foi um escândalo na época.

Abs!

Anonymous said...

Olá parceiro, fiz minha lista. Ela é menor e um pouco diferente da proposta. A justificativa está no blog. Obrigado pela indicação do mame.

Unknown said...
This comment has been removed by the author.