Thursday, September 13, 2007

A "Escola Urbana" de literatura



The Great Scott Journal é um blog antigo. Sua última atualização é de abril de 2006. Descobri-o acidentalmente, graças a um texto postado em outro blog, com os devidos créditos concedidos. Desde então, passei sempre por lá, até o dia em que precisei trocar de Computador e não consegui achar mais o link. Procurei até no google (não sei se me lembrava do "journal"). Deixei de lado e segui em frente. Anteontem, remexendo velhos baús entre back-ups esquecidos, eis que encontro um notepad com o endereço do sítio. Acessei-o, deixei comentários e só mais tarde percebi que estava abandonado há mais de um ano.

Bom... Quem sabe volte? "Notícias do front III" é exemplo de que vulcões inativos podem jorrar lava novamente.

Mas, voltando ao Great Scott, fucei-lhe os últimos posts e me deparei com algo deveras interessante.

Segue então a postagem original, feita em 6 de março de 2005 (apenas três se seguiriam até o fim do blog).








Por Great Scott

Tenho reparado que existe um padrão que une a produção literária/quadrinística** de muitos aspirantes a autor que eu conheço - bem como as obras que estes consomem: Histórias que, segundo os próprios, são melhores por se dedicarem a falar do "cotidiano", da "vida real", "do mundo como ele é". Esses princípios acabam, muitas e muitas vezes, em obras simplesmente banais, cheias de personagens amorais levando vidas apáticas e seguindo a filosofia do "tu fez comigo, agora vou fazer com você, CARALHO".

(Ênfase no "CARALHO", já que tem que ter palavrão para ser moderninho, ou, como diriam alguns, "para ficar mais Tarantino" (mas aí não sobra esperança nenhuma)).

Pois bem. Já falei disso aqui uma vez ou outra, e não vou falar de novo. Quem vai falar é outra pessoa: Na seguinte coluna, Alexandre Cruz Almeida (hoje Alex Castro) revela-se observador desse mesmo padrão, dessa mesma linha de mediocridade, que batizou de
Escola Urbana em um artigo que observa o fenômeno bem melhor do que eu poderia. Leiam!




Como cheguei nisso?

Estava eu saltando de canal em canal quando vejo uma garota visualmente chamativa no programa da Marília Gabriela. Era uma tal
Clarah Averbuck. Ela começou a falar, descobri que era escritora. Descobri que tinha escrito um livro chamado "Máquina de Pinball". Não entendi o que diabos era isso pela entrevista, mudei de canal e esqueci o assunto.

Passando pela net, mais tarde, encontro o nome dela de novo. Entro no site e me deparo com um Layout moderninho, foto produzida da autora, meia duzia de links para textos. Li alguns... e decidi pesquisar para descobrir de onde diabos saiu tanto lixo radioativo!

A mulher publica, basicamente, seu blog. Fala sobre coisas que aconteceram com ela. E a vida dela é perfeitamente banal, e o que ela faz dessa vida nos textos, também. Como um blog! É um reality show em formato livro.

Ela coloca no site, como peça literária, um post de blog sobre como tal fulano ejaculou na boca dela e como o esperma dele era doce; E como os homens são clichês ambulantes, já que depois o cara acendeu um cigarro. Eh?!

Incrivelmente ruim. E descobrir que ela faz parte de uma "escola" informal é mais ruim ainda.
AINDA BEM que eu estava por fora disso.


"Realidade" é algo subjetivo, pessoal. E o SEU mundinho NÃO É a realidade, MESMO QUE o seu mundinho seja um "mundo cão" digno de realização dentro do sistema do lado B do cinema brasileiro. Se você está numa zona de guerra e escreve um livro falando sobre o cotidiano incomum da situação em que você se encontra, PODE SER que disso resulte num bom livro -- se você souber escrever, tiver pontos de vista e uma visão crítica interessante da situação, se você tiver capacidade de transpor para a página a realidade do mundo incomum que se observa. MAS, se você é MAIS UMA patricinha metida a "indie" querendo escrever um livro sobre suas baladas e bebedeiras...

Em outras palavras, se você for ruim, vai acabar falando sobre o seu mundinho -- o seu umbigo. Se você for bom e consciente vai partir do seu mundinho para falar sobre o mundão - sobre a condição humana como observada por VOCÊ, AGORA, AQUI DO SEU PEDAÇO. Essa é a diferença, na minha opinião. Novamente em outras palavras: O seu mundinho pode até ser a *realidade*, mas o que a arte deve buscar não é a realidade, e sim a VERDADE. A verdade humana. A sua verdade.**** Eu realmente acredito nisso.

"Sou mulherzinha, uso salto agulha, pinto as unhas(...). Sou mulherzinha, mas tenho bolas", diz Averbuck em algum lugar. Ou seja - "I've got balls", expressão norte-americana, quase nunca utilizada de forma expontânea em português. Dá para se enxergar bem o naipe "rebelde" da moça, não dá?

Ridículo. E aí está uma boa motivação para escrever: Escrever para tentar fazer algo decente, algo que não siga essa escola da mediocridade fashion pseudo punk das Clarah Averbucks e Fernanda Youngs da vida.

Triste.



** Sim, Quadrinhos também são literatura. Só estou dividindo "livros comuns" e "HQs". Ei, é sempre
bom deixar claro!


**** Batendo na velha tecla para quem chegou atrasado: Sim, Verdade Humana se encontra tanto em textos realistas quanto em textos fantásticos, mitológicos ou de ficção científica. Porque toda fantasia, mito ou especulação sobre o futuro saiu de uma mente humana, que por sua vez é fruto do mundo que a cerca e dos problemas e elementos diversos que compõem sua realidade. Óbvio? Para a maioria das pessoas, não é não!

Muitas e muitas vezes percorre-se um caminho parecido com isso:CRIANÇAS rejeitam tudo que não é fantástico; ADOLESCENTES rejeitam tudo que não é "real"; ADULTOS deixam essa visão limitada de extremos para trás e aprendem a apreciar o espectro completo da ARTE.





Voltando à nossa narração normal, enfatizo a relevância deste link para uma melhor compreensão do texto exposto. Neste outro link, Alex Castro tece comentários sobre Clarah Averbuck. Alex Castro é escritor e atualmente redige o blog Liberal Libertário Libertino.


Até breve


1 comment:

Anonymous said...

O movimento modernista - que surgiu aí na primeira metade do século XX - tinha como intenção romper com os academicismos, propor um novo tipo de arte - ou melhor - aniquilar a arte, promover um antiarte, antiliteratura, antipoesia etc... enfim, foi um movimento válido, pertinente, mas é parte do passado. No entanto, ainda hoje a palavra "moderno" é usada para designar algo "avançado", "à frente do seu tempo". Mas o moderno não está "à frente do seu tempo". O curioso é perceber como o moderno foi assimilado e, ao mesmo tempo, não assimilado. Assimilado ao ponto de tornar-se banal e, ao mesmo tempo, não assimilado no sentido de que as sociedades ocidentais não incorporaram de fato as propostas revolucionárias de um Oswald de Andrade, por exemplo. O homem pós-moderno é fruto dessa extrema assimilação de um lado e dessa extrema falta de assimilação do outro. É o que acontece por exemplo com os movimentos de Maio de 68; eles são assimilados, "engolidos", agregados como fato histórico dentro deste sistema atual, sem com isso que as utopias de 68 tenham sido alcançadas. Clarah Averbuck quer ser chocante, como muitos hoje em dia; o fato é que a descrição - via literatura - de uma cena de sexo oral, já não tem mais o poder de chocar. "Trópico de Câncer", do escritor norte-americano Henry Miller, publicado em 1934 era de fato chocante, porque se trata de um outro contexto; os EUA estavam na fase do capitalismo puritano e não do capitalismo permissivo, como o é na sociedade global, embora essa "permissividade" seja uma faca de dois gumes. Ou seja, Henry Miller foi necessário, Clarah Averbuck é desnecessária - ela não oferece nada que uma pesquisa no google não possa oferecer. O sexo hoje está em todo lugar, na televisão, na internet etc. Numa sociedade como a nossa, onde tudo foi virtualizado, é difícil dizer "isto é algo realmente chocante", a não ser que estejamos querendo mentir para nós mesmos - o que, por sinal, é bastante comum hoje em dia. Nós já passamos por Auschwitz, convivemos com a violência que foi virtualizada. Tudo vai se adequando de maneira perversa. E o que Clarah Averbuck tem de mais? Percebo nas grandes cidades um cosmopolitismo falso, virtual, que esconde um processo de massificação, que ludibria. "Ser diferente" tornou-se banalidade, e ao que parece todos permanecem iguais neste desejo passivo, um tanto quanto mercadológico. A personalidade "moderna" é apenas mais uma dentre as 1000 identidades-temáticas que podemos comprar nesse mercado de "verdades" prontas. Entre uma camiseta do Che e um outdoor de pasta de dente não há muita diferença não. E então passamos todo o tempo "brincando de ser", "brincando de crer" (observe como a fé é uma realidade puramente virtual nessas novas igrejas protestantes), como crianças que brincam de guerra. Acreditamos em um risco que não existe e, paradoxalmente, acreditamos na não existência de um risco que aí está. São as tais facas de dois gumes: o poder e o não poder, o visível e o invisível, o existir e o não existir, o individual e o massificado, o homogêneo e o heterogêneo. E nessa brincadeira elimina-se o risco, o novo, o real. É o que percebo muito nos tais "moderninhos", que comodamente "chocam sem chocar". Ou como alguns militantes de esquerda que, inconscientes do mundo e de si mesmos, analisam a realidade como se esta fosse a mesma de 40 anos atrás. Mas é muito fácil bater em inimigos que já foram nocauteados, passar por portas que já foram derrubadas, brincar de militante, brincar de moderninho, e cegar para os muros, para os impedimentos que constituem o mundo de hoje. Como nós vamos quebrar a barreira da virtualidade, como vamos deixar de ser nulamente e unicamente O e 1? E por fim: é claro que todo conteúdo do cotidiano prosaico pode ser transformar em conteúdo poético ao ser expressado com o devido carinho e atenção. Um sujeito pode descrever o mais banal dos acontecimentos e este tornar-se um relato de grande beleza e pertinência; isto é mérito daquele que conta uma determinada história: como conta, que tipo de aspectos ele ressalta, que sentidos fora capaz de captar na vida prosaica... sem uma percepção aguçada, não apenas o prosaico permanece na esfera do prosaismo, como também os próprios momentos poéticos (raros) acabam tornando-se prosaicos, banais, acabam virtualizados, acabam por emanar, irradiar uma versão banal e pobre daquilo que é belo. Episódios inicialmente "cheios de vida" acabam por se tornar acontecimentos mortos - provavelmente como as próprias personalidades por trás dessas narrativas.